quinta-feira, 17 de novembro de 2011

UPP: será o caminho da paz?


O modelo de Segurança Pública no Brasil tem estado em evidência diante do “novo” sistema adotado: a Tolerância Zero. As Unidades de Polícia Pacificadoras nas comunidades tem sido vistas como uma salvação da cidade do Rio de Janeiro do tráfico e do poder paralelo. No entanto, é necessário que se faça uma análise crítica desse fenômeno para que tenhamos percepção dos efeitos dessa prática e para tanto pretendo iniciar através do discurso da criminologia no Brasil e do nosso Código Penal. 

O Código Penal de 1940, o “Novo Código” inclui a noção de periculosidade e é a partir deste contexto que é possível eclodir um novo saber: a criminologia. O discurso da criminologia prega a idéia do aumento da criminalidade e da necessidade de penas mais rigorosas e severas para combater esse mal. Saber e poder estão intrinsecamente ligados e o saber científico não deve ser considerado como algo neutro, natural e apolítico. Como argumenta Rauter,

Lançando mão da noção de “poder disciplinar” podemos compreender os saberes enquanto partes das estratégias de poder. Neste sentido as ciências humanas (psicologia, psiquiatria, criminologia e outras) surgem historicamente como ponto de apoio às novas técnicas de gestão das massas humanas, capazes de controlá-las, fixá-las e de produzir indivíduos úteis do ponto de vista da produção e dóceis do ponto de vista político”. (Rauter, 2003)

No campo penitenciário em que avaliações psicológicas, diagnósticos e previsões quanto a reincidência são documentos de fundamental importância na decisão do juiz na vida do criminoso. Cabe questionar então o papel dos diagnósticos, os laudos psicológicos e as supostas previsões quanto a reincidência. O principal efeito do discurso da criminologia é a transformação do crime em doença e a partir disso é necessário identificar esse doente e prendê-lo e tratá-lo. É de fundamental importância mencionar que esse discurso foi constituído através do discurso da criminologia e a medicalização do criminoso. Nesse momento faz-se necessário um breve comentário sobre o direito liberal. Quando o direito liberal predominava o criminoso não era alvo a não ser como um indivíduo que escolheu transgredir a lei, o que importava era o crime cometido. Existia um contrato social firmado livremente onde as leis eram consideradas resultado de um processo democrático e o cidadão era considerado como uma pessoa responsável e possuidor do livre arbítrio. Quem decidisse transgredi-la deveria ser punido e a pena era proporcional ao crime cometido e deveria levar ao arrependimento moral. No entanto, houve uma mudança de pensamento com a entrada do discurso criminológico que critica radicalmente o direito liberal. As críticas fundamentaram-se basicamente na falta da cientificidade e então o que passa a ser considerado é o direito penal que traz sua promessa de conhecer o crime cientificamente e combatê-lo de uma forma mais eficaz. A partir deste momento o que importa não é tanto o crime cometido e sim o próprio criminoso, a sua personalidade, seus hábitos, vícios é que devem ser estudados. A responsabilidade e o livre arbítrio são criticados pelo direito penal, pois surge a noção de que não é a razão que controla nossos atos e sim nossos instintos e a lei surge como uma entidade que deve contê-los.

As penas deixam de ser consideradas apenas pela noção estritamente jurídica e o embasamento científico acrescenta que elas devem corrigir uma anormalidade. É através do processo de medicalização que é possível estabelecer uma ligação entre crime e doença que perdurará, esse processo é entendido aqui como uma forma de disciplinarização. No momento em que se constitui um saber sobre o criminoso, o criminoso é constituído como um anormal moral. A questão levantada então é como tratar um indivíduo que não possui um controle moral e a resposta proposta é a punição com um caráter humanizador. O crime passa a ser compreendido como um indício, um sintoma que aponta para um mal moral, para um mal psicológico. É possível observar através dos hábitos de vida e meio onde se vive um possível criminoso e a questão levantada agora é a questão da prevenção. Como prevenir que a camada mais “baixa” da população que não possui freio morais transmitidos hereditariamente e que vivem um uma devassidão dos costumes incorram ao crime?  A solução encontrada é pela vigilância policial e “medidas higiênicas e pedagógicas”. Através da criminologia então o criminoso é uma pessoa doente, que precisa de tratamento e a pena é para seu próprio benefício e não deve puni-lo e sim curá-lo. A busca pelas causas do crime não se restringem a personalidade do indivíduo e o meio social passa a ser uma preocupação constante. A partir da psicanálise criminal que afirma que a miséria pode trazer problemas no manejo dos impulsos e promiscuidade, os fatores externos ganham importância no estudo das causas do crime. É a partir daí que se estabelece uma relação sempre existente na criminologia entre pobreza e crime, o crime passa a ser compreendido como uma interação de fatores externos e internos. A indisciplina e ociosidade produzem a miséria que por sua vez gera o crime, portanto, o desemprego e a vadiagem possuem uma conotação patológica e devem ser alvos das ações do Estado. Esse movimento deve ser compreendido como uma forma do Estado gerir e controlar a miséria da população.

O trabalho no âmbito do tratamento penitenciário é difundido como parte do programa de recuperação do preso, no entanto, ele também pode ser compreendido no jogo das múltiplas forças institucionais. O ponto positivo do ponto de vista do preso é um pouco da preservação de sua saúde mental e do ponto de vista institucional ele serve como uma manutenção do próprio sistema prisional e de um ideal do capitalismo: trabalhador barato que deseja trabalhar exigindo pouco. Sendo assim, o trabalho não cumpre sua função de reinserção social, mas desempenha a função de dar uma fachada a prisão.
A crença na reinserção e readaptação do preso dificilmente encontra uma confirmação pelos estudiosos e autoridades da área, inclusive são admitidos os “fracassos” desse sistema. Por que então ele persiste?

De acordo com Rauter (2003),

“Tudo se passa como se a prisão produzisse exatamente o contrário daquilo que seria sua missão primordial, como se ao invés de curar o criminoso ela agravasse seu mal. Este fracasso da prisão tem sido exaustivamente admitido até mesmo por autoridades do sistema penitenciário, policiais, autoridades judiciárias. As críticas e tentativas reformadoras são tão antigas quanto a própria prisão. E, no entanto, sua realidade quase imutável tem desafiado todas elas como se delas zombasse. E se, aceitando a proposta de Foucault, invertêssemos a lógica de nossa análise e ao invés de fracasso (um fenômeno negativo) enxergássemos um fenômeno positivo, ou seja, que é a “produção da deliquência”. 

Sendo assim, podemos concluir que o criminoso é necessário para a manutenção do poder policial-judiciário-médico da forma como é, repressivo.
De acordo com Wacquant (1999), o modelo de segurança pública advindo dos Estados Unidos onde a estratégia é baseada em um mais Estado policial e penitenciário e menos Estado econômico e social não produz diminuição da criminalidade. Como pode a criminalidade diminuir se o número de prisões aumenta consideravelmente?
O sentimento de insegurança é agravado pelas intervenções das forças da ordem e o uso cotidiano da violência pela polícia militar, o recurso a tortura, as execuções arbitrárias e os “desaparecimentos” geram um sentimento de terror entre as classes populares. De acordo com esse autor existe um movimento de criminalização da miséria, as ações policiais estão voltadas para as camadas mais pobres da população e presos possuem o mesmo perfil.
A doutrina da tolerância zero é um “instrumento de legitimação da gestão policial e judiciária da pobreza que incomoda” e a idéia de êxito que parece ser produzida faz com que muitos países adotem esse modelo. Assim, o que é transmitido é que o Estado preocupado com esses desviantes quer puni-los e livrar-nos desse mal que nos assombra eximindo-se de sua responsabilidade com relação a questão social e econômica para colocar a questão como algo da ordem individual das pessoas “incivilizadas”. Existe uma verdadeira limpeza social das pessoas que incomodam e essas práticas são colocadas como uma retomada do espaço público e da conquista da paz. Que paz é essa que anunciam onde é preciso ter um tanque de guerra nas comunidades para garanti-la? Parece que o Estado está mostrando a sua face repressiva e violenta onde não se admite uma violência contra esse sistema, mas que seus atos violentos são justificados e legitimados para reconquistar o seu direito. E o que faz com que a população aceite essa demonstração de força ? 

É através da difusão do medo como mecanismo indutor e justificador de políticas autoritárias de controle social. O sistema penal utiliza a mídia para disseminar o medo e exercer todo o seu poder produzindo estereótipo do criminoso. Afinal, que tipo de paz estamos produzindo? Que paz é essa em que o repórter tem que estar com colete a prova de balas? É claro que os traficantes não estarem dominando as comunidades é um grande avanço, mas será que isso significa paz?

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:

·         WACQUANT, L. As Prisões da Miséria. Rio de Janeiro: Zahar, 1999.

·    RAUTER, C. Criminologia Subjetividade no Brasil. Rio de Janeiro: Revan/Instituto Carioca de Criminologia, 2003.

3 comentários:

  1. Oi, Rê, parabéns pelo blog! Está lindo! Tb tenho um, mas é uma miscelânea total... Tb estou pensando em focá-lo na área psi.
    Virei fã, viu?
    Sucesso!
    Bjs.

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  2. Oi Ana! Obrigada pelo apoio! Quero conhecer seu blog tb, colocarei aqui como indicação. Bjss.

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